Essa frase é título do delicioso livro de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière onde esses dois titãs da cultura europeia dialogam sobre diversos assuntos sobre a cultura, leitura, livros e tecnologia. O livro reproduz diálogos entre os dois pensadores que foram gravados no início desta década. Logo no começo Eco dispara seu descontentamento com o que chama de precariedade das mídias digitais. Ele próprio teria perdido alguns originais de seus escritos porque os guardara em disquetes que se tornaram obsoletos e sem computadores adequados que pudessem lê-los. Fala também do desconforto que era a leitura em tela de computador (desktop!) e o quanto um livro impresso é mais simples de ser conservado e ter suas informações recuperadas, uma vez que basta abri-lo e lê-lo.
Claro que não há como contestar a lógica de Eco quanto a solidez do livro impresso. Não temos nenhum registro digital do início do século XX simplesmente porque não havia meios de gravação digital e até mesmo o conceito de digital ainda estava a se formar. Em 1918, exatamente há cem anos atrás, já era possível gravar analogicamente imagens e sons. Também já existiam máquinas de escrever, a tipografia era uma técnica já secular e uma novidade simplificava a composição de jornais e outros impressos: a linotipo, uma espécie de máquina de escrever que produzia linha inteiras de texto em chumbo fundido, facilitando em muito a árdua tarefa dos tipógrafos. E é só.
Foi preciso muita convergência, sinergia e confluência de diferentes tecnologias para chegarmos à abundância e prevalência do digital que temos nesta segunda década do século XXI. Hoje, por exemplo, é impossível pensar em serviço bancário, rádio jornal ou televisão, telefonia e praticamente qualquer operação financeira que não utilize papel moeda, sem que sistemas digitais estejam presentes. Mesmo os livros revistas e jornais impressos são primeiro feitos totalmente em meio digital e depois convertidos em fotolitos para serem impressos. Em nossas casas, textos são impressos somente após passarem por um computador. As novas gerações praticamente não conhecem mais máquinas de escrever e telefones a disco. Até mesmo relógios de ponteiro são dispositivos estranhos para os nascidos no século XXI. Peça para uma adolescente ler as horas em um relógio analógico e tire suas próprias conclusões…
Então a vida era horrível e agora vivemos num mar de maravilhas? Será? Umberto Eco, infelizmente morto em 2015, viveu muito feliz em meio aos seus milhares de livros, uma boa parte deles escritos no primeiro e segundo séculos da invenção da tipografia. Com a desenvoltura que possuía, podia ler livros em latim ou alemão dos séculos XV ou XVI e sentir a incrível sensação de reviver pela leitura momentos há muito esquecidos. Sua fascinante biblioteca, rica em volumens e incunábulos ainda permanecerá por muito tempo existindo e oferecendo informações sobre variados assuntos de diferentes eras, provavelmente existirá mesmo depois que todos os formatos de arquivos e mídias digitais de hoje sejam tão obsoletos quanto os “disquetões” de 9” dos anos 1970 que irritaram esse ilustre pensador e colecionador do século XX.
Falamos sobre
ECO Umberto e CARRIERE, Jean Claude. Não Contem com o fim do livro.