Leitores & leitores

Já escrevi por aqui que sou leitor compulsivo. A era da leitura digital só açodou meu gosto pela leitura. Hoje há uma superoferta do que se ler. Como o ciberespaço é uma construção primariamente textual, mesmo os pouco afeitos ao texto acabam por frequenta-lo, nem que seja na marra de um Facebook, um Instagran ou o irritante What’s Up. Claro que em todos esses existem as postagens de áudio e vídeo, que entopem nossos devices de megas indesejáveis de bytes inúteis. Ainda assim, a primazia é sempre do texto.

Obviamente não me refiro ao letramento das redes sociais. Mas ao gosto por sentir, experimentar a memória do outro. Seja por um romance, uma biografia, ou mesmo um bom estudo social, científico, filosófico, político etc. Nesse quesito admito que devo ser chato. Volta e meia quando falo sobre uma leitura interessante, se escuto a frase “mas eu já tenho tanta coisa para ler!” fico revoltado. Só quem não lê acha que “tem muita coisa para ler”.

Eu sou sedentário, coisa que não me agrada em nada. Mas não ao ponto de me motivar à prática de exercícios. Qualquer exercício para mim é “muito exercício”.

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Vai um livrinho aí?

Escutei outro dia de um amigo que “não estava mais tendo tempo para academia”. O sujeito reclamou que só estava conseguindo ir “no máximo umas três vezes por semana”. Três vezes por semana?!? Uau… Para mim isso seria três vezes por semana a mais do que eu me disporia a frequentar o bendito templo da saúde muscular humana.

 

Da minha parte, também acho que tenho muito pouco tempo para leitura. No máximo umas três horas por dia. Sete dias na semana, claro. Isso descontadas todas as leituras ditas obrigatórias, as que faço no meu trabalho enquanto técnico de uma universidade pública envolvido com projetos e pesquisas relativas ao meu ofício.

Fiz graduação, mestrado e doutorado, nenhum desses cursos, ricos em leituras obrigatórias, “roubou” meu tempo das leituras que faço por prazer. Daí imagino que temos muitos doutores iletrados, ou pelo menos, doutores não leitores, alheios ao universo que passa para além dos mundinhos restritos de seus campos de pesquisa. Aliás, o termo Stricto Sensu refere-se justamente a isso: sentido restrito a algum aspecto do conhecimento. De doutores iletrados para doutores analfabetos vai um pulo de parágrafo…

Então peço perdão aos puristas. Sou mesmo generalista, leitor que gosta de variar o que e quando lê. Não fico só no meu campo de pesquisa e, talvez por isso, deva ser medíocre (uso a palavra no seu sentido literal: na média) em minha área de atuação, mas ao menos aprecio olhar sempre que posso para a linha do horizonte e até pensar no que poderia estar além.

Borges, o grande escritor argentino, em uma de suas conferências, já cego, afirmou ser a leitura uma forma (estado) de felicidade. Nada mais trágico para um leitor (e escritor) do que a cegueira física. Mesmo assim, seguiu leitor constante, não pelo braile ou por tecnologias na época inexistentes. Como a leitura digital de textos, mas graças a voz de sua secretária (e depois esposa e herdeira cultural) Maria Kodama, Borges prosseguiu impávido em suas leituras e escritas. A cegueira outonal foi uma sentença de morte para João Cabral de Melo Neto, outro leitor contumaz, infelizmente não se adaptou à condição de ouvinte, aceita pelo “bruxo” argentino. Isso o levou a um quadro de forte depressão que possivelmente acelerou seu fim.

Os mais observadores dos raríssimos leitores desta página, já devem ter percebido que eu escrevo mais sobre o ato de ler em telas do que o que é lido. O escopo desta página é a leitura em meios digitais e, principalmente, os meios digitais disponíveis. Mas não há muito de novo no horizonte, pelo menos ao alcance de mãos brasileiras. Uma rápida olhada neste website e o leitor observará que já discorremos sobre todos os aparelhos de e-readers, sobre o fetiche do livro físico, sobre pirataria e direitos autorais e outros assuntos. Claro que, se acresço neste local páginas sobre o ato de ler ou ainda sobre resenhas de livros, além de fugir do escopo básico, também entrarei em campo onde existem opções muito melhores de acesso ao distinto público. É um risco que se corre.

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